SOLANO TRINDADE
Nasceu no dia 24 de julho de 1908, no bairro de São José, no Recife (PE). Além de poeta, foi pintor, teatrólogo, ator e folclorista. Legítimo poeta da resistência negra por excelência. Em 1930, começa a compor poemas afro-brasileiros. Em 1934, participou do I e do II Congresso Afro-Brasileiro, no Recife e em Salvador. Em 1936, fundou a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-brasileiro, para divulgação dos intelectuais e artistas negros. Em 1940, transferiu-se para Belo Horizonte. Depois chega ao Rio Grande do Sul, fixando-se por um tempo em Pelotas, onde funda com o poeta Balduíno de Oliveira um grupo de arte popular, que não foi avante por causa das enchentes.

Retornou ao Recife em 1941, mas logo foi para o Rio de Janeiro, onde fez sucesso no “Café Vermelhinho”. Em 1945, fundou o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com Raimundo Souza Dantas, Aladir Custódio e Corsino de Brito. Em 1954, está em São Paulo, criando na cidade de Embu, um pólo de cultura e tradições afro-americanas. Em São Paulo também funda o Teatro Popular Brasileiro – TPB, onde desenvolveu intensa atividade cultural voltada para o folclore e para a denúncia do racismo. Em 1955, viaja para a Europa, com o TPB, onde dá espetáculos de canto e dança. Faleceu no Rio de Janeiro, em 19 de fevereiro de 1974. 

Escrito pelo Poeta Salomão Sousa 


Tem gente com fome

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo pra dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiii 

Estação de Caxias de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome 

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio do ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuu
Solano Trindade

Gravata colorida

Quando eu tiver bastante pão para meus filhos
para minha amada
pros meus amigos e pros meus vizinhos
quando eu tiver livros para ler
então eu comprarei
uma gravata colorida
larga bonita e darei um laço perfeito
e ficarei mostrando a minha gravata colorida

a todos os que gostam de gente engravatada…
Deste também. Pois orienta a minha militância.

Negros
Solano Trindade

Negros que escravizam
e vendem negros na África
não são meus irmãos
negros senhores na América
a serviço do capital
não são meus irmãos
negros opressores
em qualquer parte do mundo
não são meus irmãos

Só os negros oprimidos
escravizados
em luta por liberdade
são meus irmãos
Para estes tenho um poema
grande como o Nilo.

 

Sou Negro
Por Solano Trindade
À Dione Silva

Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh’alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs

Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou

Na minh’alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação…

Solano Trindade (Recife, 1908 – Rio de Janeiro, 1974), ator dos livros “Poemas de uma vida simples” (1944), ”Seis tempos de poesia” (1958) e “Cantares do meu povo” (1961).