Do silenciamento de nossas palavras, do epistemicício cometido contra nossos saberes, culturas e conhecimentos milenares, do apagamento de nossas memórias e sentimentos de pertencimento surgiu a intolerância e as síndromes decorrentes das perversidades e violações sofridas por nós.

E a partir de então, muitos de nós passou a ser perseguidor de sua própria sombra, de nossas próprias tradições e de nossas crenças, saberes e fazeres ritualísticos.

A perpetuação e a conivência com as maldades que foram se acumulando, avolumando e ressignificando em forma de desconstrução, demonização e a perseguição se tornaram mais e mais violentas e começaram nos matar.

E como a diz a letra de  Tributo a Martin Luther King: “Cada negro que for, Mais um negro virá, Para lutar com sangue ou não.” 

Desta forma, nos construímos e reconstruímos criando diálogos, caminhadas, conversas, mesas de debates, audiências públicas e a luta permanente contra todas as formas de discriminação e intolerâncias.

Sabemos hoje que o nome inicialmente de intolerância religiosa, surgido em um determinado momento histórico, social e político não dá mais conta de responder aos novos questionamentos nestes tempos de decolonialidade. Agora já compreendemos que se trata de RACISMO RELIGIOSO. O racismo estruturante das relações em sociedade, alicerçado pela ideologia da supremacia racial e do controle de todos os espaços de poder e que de formas diversas, inclusive pela via da demonização, desqualificação e desconstituição de nossos valores e formas de compreender o mundo por  negros e negras dentro e fora do continente africano. Este racismo que nos atinge em todos os aspectos de nossas vidas precisa ser observado e desconstruido tijolo por tijodo.

Para desconstruí-lo pe preciso transcender narrativas intocáveis e encarar de frente como tantas paredes fora erguidas e as múltiplas maneiras com que os cultos africanos, sua diversidade e rituais tradicionais vem sendo desacreditados e tratados com inferioridade e como rituais satânicos e primitivos para atribuir aos povos descendentes das nações africanas o não lugar social e a necessidade de serem ensinados, educados e salvos de sua pouca sorte.

Tem sido mesmo do Movimento Negro Brasileiro mais este papel de politizar este debate para além das fronteiras da frase que alguém criou e se tornou jargão: “três coisas que não se discute: religião, futebol e política”. Talvez o futebol esteja aí somente para nos desviar a atenção das coisas que realmente importam para o povo e terminar tudo como em um bom “Fla-Flu”.

Mas, como nos ensina a Profª Nilma Lino:

 “Ao politizar raça, o Movimento Negro desvela a sua construção no contexto das relações de poder, rompendo com visões distorcidas, negativas e naturalizadas sobre os negros, sua história , cultura, práticas e conhecimentos; retira a população negra do lugar da suposta inferioridade racial pregada pelo racismo e interpreta afirmativamente raça como uma construção social; coloca em xeque o mito da democracia racial.” (Gomes. Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos na luta por emancipação – Petrópolis. RJ: Vozes. 2017)

O que estamos fazendo nós, negros e negras em aprendizado permanente é romper com a lógica de que os temas eminentemente sobre praticas religiosas e concepções sobre o nosso sagrado não devem ser debatidas em nossos espaços, enquanto convivemos durante anos com rezas católicas, louvores e orações da caminhada cada vez mais incisiva das religiões cristãs nas entranhas de nossa militância, cooptando pessoas e transformando-as em aliadas de um mercado religioso cada vez mais exigente, ganancioso, predatório e político.

A ponto de estarmos hoje afastados de muitos de nossos territórios, totalmente controlados e dominados pela fúria de grupos armados e perseguidores de religiosos dos cultos tradicionais de matriz africana e afro brasileiros. Exatamente como do conto Purificação do Professor Muniz Sodre em “A Lei do Santo”, que parece mais uma profecia terrível.

Estamos em um momento de Pandemia, quando vermos a  necropolítica sendo exercida descaradamente,  no curso de um dos maiores desmontes legislativos, sociais e ideológicos do estado brasileiro que em face da força das mídias sociais tornou-se em 3(três)  longos anos quase tão poderosamente perverso que os anos de ditatura militar que já vivemos, cada um com suas próprias vicissitudes e peculiaridades em violações de direitos, vale mencionar.

É preciso então, conclamar os movimentos negros para a responsabilidade que temos neste momento de retomada de nossos espaços e territórios de luta, como é o próprio Instituto de Pesquisa das Culturas Negras.  Volto a citar pois a primorosa Profª Nilma:

“Importa-nos compreende a potência desse movimento social e destacar as dimensões mais reveladoras do seu caráter emancipatório, reivindicativo e afirmativo, que o caracterizam como um importante ator político e como um educador de pessoas, coletivos e instituições sociais ao longo da história e percorrendo as mais diversas gerações.” (Gomes. Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos na luta por emancipação – Petropolis. RJ: Vozes. 2017)

A menção da data alusiva a esta luta contra a intolerância faz parte do nosso processo lembrar que estar no movimento negro é ser parte de um coletivo, como nos ensina a Profª Nilma em seu livro já citado neste texto  “que não se reporta de forma romântica à relação entre os negros brasileiros, à ancestralidade africana e ao continente africano da atualidade, mas reconhece  os vínculos históricos, políticos e culturais dessa relação, compreendendo-a como integrante da complexa diáspora africana.”

É o que somos!!!

A nós “não basta valorizar a presença e a participação dos negros na história, na cultura e louvar a ancestralidade negra africana.” 

Queremos mais, e queremos logo!

Porque como disse muito sabiamente a Yalorisa Beata de Yemanja: 

“Não quero tolerância. Quero respeito.”

Yalorisá Beata de Yemanja – Foto do Arquivo Pessoal do Babalorisá Adailton Moreira
21 de Janeiro – Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa

Para entender o significado e simbolismo do dia de hoje saiba como foi criado este dia através deste pequeno texto que reproduzimos da matéria que pode ser encontrada no link https://www.brasildefato.com.br/2019/01/21/dia-de-combate-a-intolerancia-religiosa-completa-12-anos-com-terreiros-sob-ataque/

“Para estimular o debate sobre o tema, o ex-presidente Lula sancionou, em 2007, a lei que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado em 21 de janeiro. A data coincide com a morte da ialorixá Gildásia dos Santos, conhecida como mãe Gilda de Ogum, fundadora do Axé Abassá de Ogum, em Itapuã (BA). 
 Em 2000, a religiosa foi atacada dentro do terreiro, e o trauma contribuiu para os problemas cardíacos que a levariam à morte.
“Membros da Assembleia de Deus atacaram verbalmente e fisicamente, jogando a Bíblia sobre a sua cabeça e dizendo que iam exorcizá-la, que iam tirar o demônio do corpo dela. Mãe Gilda ficou muito abalada”, relata Flávio Magalhães, filho do terreiro Abassá de Ogum.
No mesmo ano, a mãe de santo foi vítima de outra injustiça -- que custou sua vida, segundo as palavras de Flávio. “Não bastando isso, a Igreja Universal do Reino de Deus [por meio do jornal Folha Universal] publicou uma foto da ialorixá, no seu jornal, com uma tarja com a chamada ‘macumbeiros charlatões lesam a vida e o bolso de clientes’. Ao ver essa chamada falsa, ela teve um ataque cardíaco fulminante”, relembra.”

Mateiral Divulgado que causou morte a Yalorisá