Vamos começar pelo óbvio: somos sim, MULHERES. Com todas as letras maiúsculas. E ao dizer isto, não há qualquer tipo de depreciação as lutas de outras mulheres, de qualquer etnia.
As Mulheres Negras também querem um mundo melhor: com mais igualdade, equidade, justiça, direitos políticos, sociais, econômicos, fé, e mais amor…

Mas, hoje é uma data política. A luta política das Mulheres no mundo têm exigido muito mais esforço, trabalho e escolhas de nós. Enquanto o poder se alterna nas mãos de homens que parecem ter perdido completamente o rumo da história.

Há um saudosismo perverso permeando as relações sociais que não questionam os dias infelizes que foram vividos pelas mulheres enquanto o mundo acontecia acelerado. É por isto que para nós, MULHERES NEGRAS não é apenas mais um dia de trocas e sim de compartilhamento de cuidado, inclusão e sentimento de bem viver. A questão é que se o mundo não está preparado sequer para se ocupar de todas as possibilidades em nos relacionarmos melhor com os conceitos de cuidado e inclusão… imaginem sobre o Bem Viver.

E como dizem as mães: Todo Mundo pode não estar, mas, não nós, cara pálida! Nós não somos “todo mundo”.
Como Mulheres afro-ameríndias que somos, herdeiras dos pensamentos, acúmulos inspiradores, experiências gratificantes e percepções decorrentes dos enfrentamentos aos próprios conflitos pelas que vieram antes, nós estamos aqui para a confluência dessas percepções e para nos reconectar aos saberes ancestrais.
Então, cuidado ao olhar uma preta e dizer para ela aleatória e irresponsavelmente:

FELIZ DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES!

Ela poderá lhe dizer, entre as muitas coisas que nos vêm a cabeça que durante muito tempo nos ignoraram como mulheres e nos trataram como aquela outra lá… como uma mulher na gaiola; no zoológico humano; na senzala; ou em outros espaços de coisificação de pessoas.

Porém, estamos aqui, no IPCN, no século XXI. As árvores plantadas deram frutos e muitas sementes que germinam por aqui se reproduzem para o reflorestamento das relações a partir de novos paradigmas e transposições de pontes, corações e mentes.

SIM!!! Somos muitas MULHERES em nós!!!

Para nós a felicidade vai um pouco além de flores, bombons e palavras “carinhosas” repetidas automaticamente como se fossem senhas. Vai precisar entrar no nosso tempo, fazer muito exercício de escutas e compreender o que é “Bem viver”. Não poderei me aprofundar agora, mas resumindo um pouco para que você se sinta homenageada neste dia e sinta a beleza desse saber, trazido como um conceito dos povos andinos, mas que está contido em cada ensinamento dos nossos povos e culturas africanas:

“saber comer (alimentos sãos); saber beber (dando sempre um pouco à Pachamama); saber dançar (entrar numa relação cósmico-telúrica); saber dormir (com a cabeça ao norte e os pés ao sul); saber trabalhar (não como peso, mas como uma autorrealização); saber meditar (guardar tempos de silêncio para a instrospecção); saber pensar (mais com o coração do que com a cabeça); saber amar e ser amado (manter a reciprocidade); saber escutar (não só com o ouvido, mas com o corpo todo, pois todos os seres enviam mensagens); saber falar bem (falar para construir, por isso atingindo o coração do interlocutor); saber sonhar (tudo começa com o sonho criando um projeto de vida); saber caminhar (nunca caminhamos sós; mas com o vento, o Sol e acompanhados pelos nossos ancestrais); saber dar e receber (a vida surge da interação de muitas forças, por isso dar e receber devem ser recíprocos, agradecer e bendizer).
(MAMMANI, F. H.. Vivir bien/Buen vivir, 2010, p. 446-8, apud BOFF, L. Sustentabilidade: o que é / o que não é p. 67-68)”

Para dizer a uma Mulher Negra que o dia 08 é um dia internacional de todas as MULHERES é necessário antes, sentar e aprender …
Margareth Ferreira