É com muita indignação que o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras repudia esse ato e pede providências imediatas aos órgãos de justiça e reparação para nossa irmã e associada, a mãe de santo Iyá Paula de Odé, que sofreu intolerância religiosa por parte do diretor do Hospital Carlos Chagas, Paulo Reis, na última quarta-feira, dia 2 de novembro. Ela já registrou a ocorrência na 30ª DP (Marechal Hermes) e todos aguardamos a conclusão das investigações.

A Iyá Paula foi visitar um de seus filhos de santo que está internado na unidade após um AVC. Para promover a melhora do seu quadro de saúde, é necessária a realização de um ritual com o uso de um pano, que precisa ser passado no corpo do paciente. Sem conseguir que alguém fizesse o procedimento, ela foi pessoalmente ao hospital e alega ter sido impedida de vê-lo. A denúncia está sendo acompanhada pela Comissão de Combate à Discriminação da Alerj. O responsável pelo hospital nega que tenha cometido intolerância e afirma que orientou a mãe de santo “seguir o protocolo” da instituição.

— Eu me sinto ultrajada, totalmente desrespeitada. É entender esse retrocesso, porque parece que a gente está na época da escravidão, onde o preto só tinha alma se fosse batizado. É como se o povo de candomblé não tivesse alma, não tivesse direito de uma unção. Tratamento religioso é direito do paciente. A fé melhora o paciente, que é candomblecista, ogã da minha casa, além de ser um conforto para a família — declarou a Iyá Paula de Odé ao Jornal Extra.

Tudo começou na segunda-feira, dia do aniversário de Jerônimo Rufino dos Santos Junior, seu filho de santo, quando ele teve um AVC. A caminho do atendimento, a esposa de Jerônimo contatou a mãe de santo, que se dirigiu ao hospital Carlos Chagas, para onde o paciente foi levado.

— A médica de plantão chamou a esposa para dar um parecer sobre o quadro de saúde, mas ela estava muito nervosa e me chamou. Entrei e falei com a médica. Depois veio uma assistente social, fez perguntas a Juliana (esposa) e depois pegou o meu nome, perguntou o que eu era dele e eu respondi: ialorixá dele e da família — narra Paula de Odé, demonstrando ter se registrado como líder religiosa no hospital.

Ela contou que , no entanto, descobriu através de um jogo de búzios que Jerônimo iria piorar, como veio a acontecer. Ela se encaminhou para o seu templo, o Ile Ase Isegun Odé, em Guapimirim, enquanto, “para não perder tempo”, mandou um de seus ogãs para o hospital. Ele tinha a missão de passar um pano em Jerônimo e levá-lo para Guapimirim, mas não conseguiu entrar na unidade. Então a mãe de santo se dirigiu ao hospital e também não pôde entrar. 

— Liguei pra minha advogada, eu só queria passar o pano, que demoraria meio minuto. Depois de a PM ter sido chamada, um policial disse que éramos proibidos de entrar e que o diretor estava com medo de arruaça — disse a religiosa, que acionou a Comissão de Combate à Discriminação da Alerj.

Apenas a advogada Sebastiana Fraga conseguiu entrar na unidade e conversou com o responsável do plantão, identificado como Victor. Ele teria mediado o diálogo com o diretor da unidade, Paulo Reis, que propôs que ela voltasse lá no dia seguinte:

— Aquele meu trabalho daquele dia já não servia para o dia seguinte. Ou eu ia às 8h ou em horário de visita como outra qualquer? Me respeita. Padre e pastor não são uma pessoa qualquer. Por que eu tenho que ser? — questiona a ialorixá, que, em seguida, fez registro de ocorrência na 30ª DP, em Marechal Hermes.

Ela denunciou à Polícia Civil que Paulo Reis teria cometido crime de intolerância religiosa e também relatou que um membro de seu centro “foi impedido pela direção do hospital” de realizar o ebó, com a passagem do pano, e que ela também foi impedida de entrar, mesmo depois de se apresentar como líder religiosa. O documento registra ainda que a advogada Sebastiana teria alertado ao funcionário que fazia a ponte com diretor que o procedimento deveria ser realizado ainda naquele dia “por indicação ‘oracular'”, e que o diretor teria dito que só os receberia no dia seguinte, para liberar ou não o ritual.

Paulo Reis, diretor do hospital, alega que ele está seguindo o protocolo da unidade.

— Ela não foi impedida, foi orientada a seguir o protocolo. Estamos seguindo a lei, o artigo 2° diz que as normas do hospital precisam ser seguidas. Não houve desrespeito à lei, nem intolerância. Uma pessoa tem direito legal, mas tem que respeitar as regras. Não tem como entrar no CTI às 22h, sem autorização da família. Existe um horário determinado para isso — afirmou o diretor ao Jornal Extra, reparem que que ele usa o termo sem autorização da família, mas, a família havia autorizado a entrada de Iyá Paula.

Nossa associada afirmou, ainda, na delegacia que acompanhantes do hospital alegam “que é comum o acesso de pastores e padres a qualquer hora, inclusive de madrugada”.

*O que dizem a lei e o protocolo*

Do ano 2000, a lei 9.982 descreve como devem ser os atendimentos religiosos em hospitais, sejam públicos ou particulares. Em seu artigo 1º, fica assegurado o acesso de religiosos “de todas as confissões” para atender aos internados, estando com autorização do paciente ou da família. Já o artigo 2° também determina que estes deverão seguir as normas de cada instituição, “a fim de não pôr em risco as condições do paciente”.

A norma vigente no Hospital Estadual Carlos Chagas, à qual O GLOBO teve acesso, estipula que os líderes terão acesso em horário de visita, além de deverem “acatar as determinações legais e normas internas, a fim de não colocarem em risco as condições do paciente”, com necessidade de autorização da família. A visita no CTI é prevista diariamente, de 13h às 14h.

A mãe de santo alega que essa ciência já estava dada, visto que se identificou à assistente social como líder religiosa no dia da internação.

— Eu não queria estar nessa situação: meu filho de santo está em estado grave. No dia 3, ele piorou, conforme o oráculo avisou, e um rim parou — lamentou a mãe de santo, que sem conseguir entrar na unidade, afirmou estar tentando “outros recursos” religiosos.

O diretor da unidade garante que ela conseguirá entrar no hospital, desde que “em horário de visita e se a família não proibir”.

*Desdobramentos*

O deputado estadual Carlos Minc (PSB) relatou, através das redes sociais, que a mãe de santo se apresentou como líder religiosa e com a lei em mãos “orientada pela Comissão de Combate à Discriminação da Alerj”, presidida por ele. Em sua publicação, Minc ainda afirma que a comissão está propondo uma audiência para cobrar das autoridades “o direito ao acesso aos hospitais, público ou privado, de qualquer religioso”.

Por conta da existência da lei federal, uma nova legislação estadual para tratar de diretrizes para o assunto não se faz necessária, de acordo com o deputado Atila Nunes (PSD).

— Sou membro da Comissão de Combate à intolerância da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e na próxima reunião, que deve ser nos próximos dias, vou levar esse assunto para que se emita uma recomendação a todos os hospitais e clínicas de que negar assistência religiosa é ilegal. A OAB tem que entrar nisso — explicou o parlamentar.

A Polícia Civil informa que o caso foi registrado na 30ª DP (Marechal Hermes) e que os responsáveis pelo hospital e testemunhas serão intimados a prestar depoimento.

ASCOM IPCN – Com informações Jornal Extra Online.